terça-feira, 30 de junho de 2009

A forma estruturalista: Posição fixa, pisca-pisca, looping e refilmagem em Ramos e Kiarostami

Autores: Fernanda Robusti e Lucas Lodi

Juízo (2007) de Maria Ramos; Close-up (1990) de Abbas Kiarostami e os Structural Films norte-americanos (anos 60). Três continentes, três culturas, três épocas diferentes. Entre eles encontramos muitas especificidades particulares e pontos de confluência. O que é certo é que são filmes que participam e dialogam com a tradição do documentário e também entre si; como ponto fundamental de diálogo encontra-se a importância dos dispositivos de filmagem usados.

Juízo se passa no Rio de Janeiro. Ele fala sobre como a Justiça brasileira trata menores infratores. O dispositivo usado é composto pela montagem de cenas documentais e partes reencenadas, com atores em condições semelhantes as dos menores em julgamento. Close-up é um filme iraniano. Ele fala sobre Hossain Sabzian, um homem pobre que se passa por Makhmalbaf, importante e popular cineasta do Irã, para uma família rica, apaixonada pelo cinema. Aqui o julgamento de Sabzian foi filmado e nos fins de semana, o julgamento era reencenado para que o diretor pudesse questionar o réu. O filme estruturalista (Structural Film) é um movimento de cinema dos Anos Sessenta que trabalhavam o filme do modo que a forma se sobressaísse sobre o conteúdo. Os diretores se utilizavam de dispositivos rígidos, muitas vezes predeterminados e/ou simplificadores.

Juízo e Close-up se convencionaram na linha tênue que distinguimos hoje ficção e documentário. Ambos abordam fatos reais (não encenados) com momentos “fictícios” (reencenados). É importante lembrar que em ambos os casos os “atores” estão muito próximos da “realidade”. Em Juízo, os menores atores compartilham de uma situação de vida muito próxima à dos réus, um inclusive chegou a cumprir pena. Em Close-up, são as próprias pessoas que participaram da história, é Sabzian e a família Ahankhah que o processou. Este é o primeiro dispostivo que os une, mas qual o motivo que impeliu os realizadores a utilizá-lo?
De acordo com a lei brasileira não é permitido exibir o rosto de um menor infrator. Para este problema ser solucionado, Maria Ramos coloca exatamente no mesmo lugar, porém dias depois do julgamento, o ator que se assemelha e reproduz fielmente as falas dos adolescentes. A coordenação é feita com precisão, negando ao expectador a dúvida sobre a montagem - falseada. Kiarostami tomou conhecimento da personificação de Makhmalbaf através de uma revista, o que impossibilitou-o de filmar os acontecimentos como se decorriam. Dando uma mostra do prestígio do diretor e do interesse dos iranianos pelo cinema, todos os envolvidos aceitam participar do filme atuando como si mesmos. Assim, é possível obter um impressão da história mais visual que a entrevista e mais interessante do que com atores, a coordenação é feita de forma que não se diferencia facilmente o julgamento da reencenação.



“As quatro características do Structural films são a posição fixa da câmera (fixa da perspectiva do espectador), o efeito de pisca-pisca, o uso do looping e a refilmagem projetada na tela.” (Bernardet, Jean-Claude; Caminhos de Kioristami, pág 15)

Não há, em Close-up e nem em Juízo o uso da refilmagem projetada na tela. Os dois filmes, porém, abusam do dispositivo da reencenação do outro ou de si mesmo, que pode ser compreendido como uma forma de refilmagem. Dialogando com a idéia da refilmagem projetada na tela é visto, por exemplo, no filme Crônicas de um Verão (1960) de Jean Rouge e Edgar Morin, uma exibição, uma filmagem desta e visão que os participantes adquiriram de si mesmo e do outro.

Jean-Claude Bernadet fala em seu livro sobre o filme Wavelength e a utilização de um dispositivo de câmera – o movimento de zoom in constante, que não se altera, independente das ações do roteiro, das interferências externas e permanece durante toda a duração do filme, 45min. Kiarostami também se utiliza desse recurso de câmera – na figura do close-up – para intensificar seu momento de interferência no julgamento. Com esse recurso e suas perguntas incisivas, ele penetra profundamente nas questões existenciais e psicológicas de Sabzian.

O dispositivo de manter a câmera fixa, imóvel na perspectiva do espectador é também uma característica dos filmes estruturalistas e não é visto em Juízo, nem em Close-up. Mas podemos ver ele em funcionamento em um outro filme de Kiarostami – Dez – onde duas câmeras são fixas no capô de um carro, uma para a motorista e outra para o banco do carona. O que se vê com isso é a abertura às interferências externas. O que passa nas ruas está fora do controle do diretor.

E o que seria o uso do looping que Bernardet afirma ser uma base dos Structural Films? Em inglês, significa o ato dar voltas contínuas. Na linguagem cinematográfica, pode-se entender como a repetição de uma cena já vista. Se pensarmos esse conceito de forma abrangente, pode-se questionar se não é aplicado esse dispositivo em Close-up, uma vez que vemos primeiramente a seqüência da prisão de Sabzian do lado de fora da casa – os policiais e o taxista esperando, com a trama acontecendo dentro da casa. Somente no final do filme se retoma à essa seqüência, sendo vista de dentro de casa, com a trama sendo encenada.

No entanto, se a refilmagem for pensada como uma forma de expor a característica fílmica, ou seja, que os acontecimentos pertencem a uma obra cinematográfica, então ambos os filmes se distanciam dos Structural Films americanos, pois se utilizam deste dispositivo sem induzir o espectador a questionar a diegése, a realidade fílmica. O dispositivo de câmera usado no Close-up também pode ser visto como um distanciamento entre o filme e o movimento fílmico, pois o diretor se utiliza do dispositivo de forma em prol do conteúdo, o close up leva o espectador a entrar mais profundamente no íntimo do réu. Os filmes estruturalistas por sua vez utilizam a forma como molde de todo o filme, incluindo a trama/conteúdo, que deve se encaixar na fôrma previamente imposta.

Em relação ao “looping” também há distanciamento entre os filmes analisados e o movimento fílmico. Mesmo que a cena da prisão no filme iraniano seja vista duas vezes, de ângulos distintos, ainda assim pode-se pensar que este dispositivo seja, para os estruturalistas, uma repetição da mesma cena filmada da mesma maneira, do mesmo ponto de vista; ou ainda como em Wavelength, onde é a repetição de quadros no movimento de zoom in, que acaba por criar uma distorção no tempo fílmico.

É impossível que Juízo, Close-up e os Structural Films sejam absolutamente iguais. O próprio contexto no qual foram feitos já impossibilita que isso possa acontecer. É perceptível que há características dos filmes estruturalistas nos dois filmes estudados e isso é compreensível, pois antes do filme de Kiarostami, filmes como Wavelength e (nostalgia) já haviam sido realizados e este precede o filme de Maria Ramos. Eles utilizaram os dispositivos para resolver questões de filmagem e ao mesmo tempo agregaram valor de linguagem a seus filmes. No diálogo com a tradição do documentário, pode-se dizer que eles se inspiram em alguns conceitos do movimento dos Anos Sessenta, sem tentar reproduzi-los. Caso tentassem recriam por inteiro os dispositivos e a estética estruturalista, o que se veria seriam meras cópias; o que se vê são obras ricas que servirão de base para diálogo com produções futuras.

Globo Repórter: a experiência autoral dos anos 1970

Autores: Elisa Christophe e Rodolfo Bittencourt

Durante os últimos 20 anos o programa Globo Repórter vem se estabelecendo como uma janela de exposição da verdade. Seu formato, de linguagem e estética padronizada, ignora as possibilidades de experimentação que poderiam ser exploradas na produção de documentários. Mais do que isso, ele cristaliza um conceito de verdade naquele que pretende ser a “voz da razão” (ou até mesmo, a voz de Deus).

No entanto, esta padronização nem sempre foi uma constante na trajetória do programa. Durante a década de 70, quando foi criado, a equipe do Globo Repórter contava com cineastas de vanguarda (entre eles Walter Lima Jr, Eduardo Coutinho, Joaquim Batista de Andrade e Hermano Penna).

Nesta época, não só o programa tentava descobrir qual seria seu formato, mas os cineastas-repórteres que o produziam também “estavam descobrindo não só a linguagem do documentário cinematográfico como o próprio espaço expressivo da televisão” (Bragança, s/d)[i]. Desta forma, como descreve Consuelo Lins (2004)[ii], esta fase foi marcada por uma experiência de documentário muito singular, apesar da ditadura e da censura.

Duas destas “experiências singulares” são os filmes Wilsinho da Galiléia, 1978, de João Batista de Andrade, e A Mulher no Cangaço, 1976, de Hermano Penna, cujo hibridismo entre realidade e ficção pode ser destacado.

Em Wilsinho da Galiléia, a reconstituição das circunstâncias da morte do bandido é intercalada pelos depoimentos dos atores que falam sobre os personagens que estão representando. Além disso, planos do ator que faz o papel de Wilsinho são usados para ilustrar as descrições feitas por pessoas que o conheciam.

Já em A Mulher no Cangaço, a reconstituição é feita de forma mais tradicional, ilustrando a voz em off das mulheres que viveram aquelas experiências. Entretanto, não seria errado dizer que outra forma de ficção acontece no filme de Hermano Penna. As seqüencias em preto e branco não são imagens documentais no sentido strictu sensu. Elas são “imagens de memória (p&b) filmadas em planos longos e contemplativos, sempre silenciosos, como que em continuidade com os clássicos registros de cangaceiros realizados por Benjamin Abraão” (Bragança, s/d)[iii].

Em ambos os filmes a presença do repórter é minimizada de forma que o tema do programa seja o foco central e para não haver uma restrição do conteúdo. Então, os diretores/repórteres montavam um roteiro para o programa, que não houvesse a narração do apresentar, Sérgio Chapelin.

Especialmente em Wilsinho da Galiléia, a narração taxativa, conhecedora da verdade, na voz do apresentador é inexistente. O filme permite que haja espaço para dúvidas e incertezas e que, neste caso, a mãe de Wilsinho seja a condutora da história. E não é somente a dúvida que rodeia o filme, mas inúmeras verdade e não-verdades sobre um “personagem” multifacetário que era conhecido como um assassino frio, mas que em seu meio social, se transformava em alguém bondoso e afetivo.

No programa dirigido por Hermano Penna, também há espaço para a ambigüidade. A apresentação de personagens que participaram do meio, porém com visões diferentes, permite que o telespectador tenha uma dúvida sobre qualquer verdade “absoluta” criada anteriormente sobre o assunto. É como se os cineastas percebessem a importância da televisão como meio de informação de massa, e um forte aliado, contra o governo da época. Pois a crítica ao governo não se restringia somente as questões de liberdade de expressão, mas a imagem que se vendia para o povo de um “país em crescimento”.

Outro aspecto importante de ser ressaltado é o contexto histórico em que estes documentários eram produzidos. Num momento em que ainda havia uma censura oficial e que a televisão, assim como as outras mídias, não podia mostrar aspectos do governo e suas instituições que manchassem sua reputação, o filme Wilsinho da Galiléia apresentava relatos no mínimo intrigantes. Relatos de corrupção da polícia, que fabricava crimes para tentar chegar até o criminoso.

Além disso, ao contrário do que ocorre hoje em dia, a câmera era um olhar subjetivo do problema, pois os diretores sabiam que qualquer enquadramento poderia ser considerado uma forma de protesto, ou incitação a manifestações. Assim, eles usavam uma câmera com seu tempo morto. Um tempo que não estava para quem produzia ou assistia, mas que compunha todo o ambiente para melhor “explicar” o entorno dos personagens. Outro ponto conceitual do programas era que a câmera não se escondia, era a participação explícita daquele olhar e como ele transforma o ambiente.

Em Wilsinho da Galiléia o microfone aparece várias vezes, e o diretor transpassa qualquer barreira da não-participação entre o objeto e o sujeito. Era uma quebra da característica principal do jornalismo que se baseia na representação/descrição do real, sem qualquer envolvimento com as partes. Por essas transformações conceituais e estruturais que o Globo Repórter da década de 70 foi tirado do ar. Porque questionava qualquer tipo de verdade absoluta, com uma visão político-antropológica da cultura brasileira, baseado na ambigüidade. Eles produziam assuntos que estavam nos telejornais, mas com o intuito de faz as pessoas pensarem. Logo, um programa com 60 pontos de audiência não poderia continuar no ar. E talvez essa tenha sido a última vez que foi produzido um produto na TV aberta que discuta o conceito de estrutura estética e jornalística.



[i] BRAGANÇA, Felipe. A TV desconhecida: Globo Repórter/Globo Shell Especial [online]. Disponível em: http://www.contracampo.com.br/39/tvdesconhecida.htm s/d. Acessado em 27/6/2009
[ii] LINS, Consuelo. O Documentário de Eduardo Coutinho. Jorge Zahar Editora, 2004.
[iii] BRAGANÇA, Felipe. Amulher do cangaço, de Hermano Penna [online]. Disponível em: http://www.contracampo.com.br/39/mulher.htm s/d. Acessado em 27/6/2009

Trabalhos dos alunos

Como trabalho final da disciplina, valendo nota, foi pedido aos alunos do curso que escrevessem sobre um ou dois filmes dentre aqueles exibidos em sala. Eles deveriam articulá-los com textos também lidos e discutidos nas aulas, buscando agregar reflexões próprias a esse entrecruzamento de texto e imagem.

O resultado será publicado aqui (com os devidos créditos, naturalmente), para que todos - alunos da turma e eventuais leitores do blog - possam compartilhar o conhecimento e debater sobre os filmes, textos e trabalhos.

Quem sabe assim não conseguimos estender as discussões das salas de aula por mais tempo, agora que acabou o curso, e também para mais pessoas?

Serão postados dois trabalhos por dia, em ordem absolutamente aleatória.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Apartamento 608, de Beth Formaggini

Na aula do dia 25 de junho, às 11h, receberemos a visita de Beth Formaggini e assistiremos ao seu filme, Apartamento 608, documentário sobre o processo criativo do cineasta Eduardo Coutinho.

O professor Walter Lima e sua turma também vão assistir ao filme e participar da conversa com Beth ao final. Por conta disso, a aula acontecerá na sala K113, que é maior.

Demais alunos do curso serão bem-vindos!

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Alguns vídeos

Seguem os links de dois vídeos comentados pela Paola em sala:

Landscape Theory, de Roberto Bellini. Vídeo curtinho que, com um diálogo em off e imagens de paisagens, mostra o quanto pode ser considerado ameaçador o simples fato de ligar uma câmera.

The Duellists by MediaShed ft Methods. Pedacinho da performance de parcours feita num shopping center.

E, pra quem faltou, vejam também o trailer da performance dos alunos da Paola na graduação da ECO/UFRJ e a primeira apresentação de live cinema feita por ela na Caixa Cultural, Cabine de Pensamentos.

O cinema nas câmeras de vigilância

Hoje tivemos uma ótima discussão sobre o fazer cinema a partir de imagens de câmeras de vigilância.

A professora, pesquisadora e cineasta Paola Leblanc Barreto nos apresentou seu trabalho e mostrou ainda outros vídeos na mesma linha, feitos por artistas de vários países. Vale a pena conferir o blog dela, onde há vários links interessantes e, ainda, comentários e reflexões sobre o tema, que foi objeto de sua pesquisa de Mestrado.