segunda-feira, 6 de julho de 2009

Autor: Gregório Fernandes

Os filmes Um Instante de Inocência e Salve o Cinema, ambos de Mohsen Makhmalbaf, interligam-se durante a escolha de atores para participarem de um filme a ser rodado. O que os candidatos não sabiam é que os testes constituem a própria estória de Salve o Cinema, onde o fascínio pelo cinema é demonstrado de diversas maneiras. Ínumeras pessoas se debatem para conseguir realizar o teste. A cada um o diretor pergunta a respeito do interesse pelo cinema e quais os motivos que levaram a seguir a carreira de ator. Como prova da capacidade, ordena-lhes que chorem em poucos segundos. Muitos fracassam, outros tentam encontrar algum motivo para explicar a dificuldade em chorar numa ocasião artificial. As máscaras utilizadas no cinema são viradas do avesso neste teste em que cada um declara seu amor às artes que fazem parte do espetáculo cinematográfico.

Um dos candidatos que se apresenta, mas que não aparece no filme, é um ex-guarda do Xá da Pérsia, que o diretor havia esfaqueado na época de sua luta contra o governo, durante a revolução islâmica de 1979 no Irã. Foi durante o teste dele que surgiu a idéia do cineasta de filmar o episódio do esfaqueamento em Um Instante de Inocência. A trama gira em torno da procura dos atores para os papéis vividos pelo diretor e pelo guarda, mostrando todos os conflitos vividos por ambos na criação de seus personagens, reavaliando seus significados.

Esta parte do cinema iraniano convoca multidões a exporem suas fantasias em frente às câmeras, encarnando a ficção que vêem nas telas, ao mesmo tempo que faz das ações e fatos reais seu material para um filme. A direção pede que o mundo ao redor indique as seqüências a serem filmadas. Isto não significa uma ordem aleatória e muito menos fugidia da linha de um roteiro. A produção artística reveste-se de todo o trompe l’oil (imitação, montagem, encenação), mesmo se utilizando de atores locais ou protagonistas que vivenciaram os fatos para contar sua estória paralela ao documento do real.

O encontro do espetáculo cinematográfico com o documentário, da ficção com a realidade, pode ser visto em Close-Up, filme de Kiarostami de 1990. Um caso policial intrigante chamou a atenção do cineasta para que ele fosse atrás dos envolvidos na ocorrência: um homem que dizia ser Mohsen Makhmalbaf conseguiu ganhar a confiança de uma família para então freqüentar sua casa com a desculpa de que iria utilizá-la como locação de filmagens, e de que chamaria seus moradores a participarem de um filme. A farsa é desmascarada e o suposto Makhmalbaf é preso. A equipe de Kiarostami vai até a prisão e se encontra com o farsante. Ele confessa seu fascínio pelo cinema, e diz que fez tudo isso por admiração as obras de Makhmalbaf. Em seguida, o diretor pede autorização ao juiz que julgará o caso para filmar o ato. Durante o tribunal, o cinema participa de forma direta nas ações que ocorrem na sessão, o diretor chega a fazer perguntas ao acusado para complementar as interrogações do juiz. O autor da fraude explica que os filmes de Makhmalbaf dizem respeito a sua vida de pobre e desempregado, e que seu desejo era ser um diretor de cinema.

Através da recomposição dos elementos dados, a aproximação do mundo externo com a intenção do artista, é feita de maneira a oferecer um novo olhar ao que vemos. O verdadeiro e o falso Makhmalbaf saem juntos de moto carregando flores. O cinema pede aos acontecimentos da vida o seu material e a permissão para que faça sob outros olhos sua gravação, focalizando os aspectos que fogem do mero registro testemunhal.

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