quarta-feira, 1 de julho de 2009

A escola da televisão. Wilsinho Galiléia. Um Instante de Inocência.

Autores: Victor Chataignier Barki e Pedro Henrique Kessler

Eduardo Coutinho só se afirmou como diretor de documentários no início dos anos 80, com cerca de 50 anos. Até 1975, quando começou a trabalhar no programa Globo Repórter, na TV Globo, Coutinho era um cineasta de ficção, sem experiência em documentários.

É importante lembrar que trabalhar na televisão naquele momento significava distanciar-se do cinema, pelo fato de que as pessoas de cinema viam esse meio com certo desprezo, como cumplicidade com a ditadura. Os filmes eram mal vistos pelos cineastas, e tudo o que lá era produzido, sofria muito na mão dos críticos.

Em Theodorico, Imperador do Sertão, Coutinho conta a história de um integrante da elite rural brasileira. Fazendeiro e político desde os anos 40, em 1978 eleito deputado estadual pelo Rio Grande do Norte. Já em Wilsinho Galiléia (1978), dirigido por João Batista de Andrade, o Globo Reporter conta a trajetória de um jovem que desde os 14 anos, já vinha colecionando mais de 17 homicídios e assaltos à mão armada.

Tanto Theodorico quanto Wilsinho não eram grandes personagens da historia brasileira. Um era déspota e líder populista, uma pessoa machista, elitista e fazia uso do dinheiro público em causa própria, e o outro era um menino morador da periferia Paulista que, pouco antes de fazer 18, foi fuzilado numa emboscada da Polícia, que invadiu a casa onde estava refugiado. Filma-los no final da ditadura, e ainda por cima veicula-los na TV Globo, era algo muito difícil e complicado.

Entre todos os personagens que Coutinho filmou, o político era o único que pertencia à elite brasileira. Também o único filme de Coutinho centrado na historia de apenas um personagem. São exatamente essas diferenças que fazem de Theodorico um documentário emblemático.

João Batista de Andrade por sua vez, tem a árdua tarefa de relatar roubos e crimes brutais misturando cenas documentais, depoimentos fictícios e reais. Entre tantas polemicas geradas por Wilsinho Galileia , talvez o maior foi a seqüência do filme em que, intercalada com imagens, dramatizadas por atores, que mostram a violência dos atos do criminoso, e ele brincando num parque de diversões, traz também vizinhos e seus conhecidos do bairro da periferia de São Paulo, falando entre outras coisas que "ele era matador, mas também era ser humano .

Tais aspectos realçam o que há de comum entre esses dois filmes. Não existe um tratamento específico, mas um movimento em direção ao mundo e ao outro, um tipo de interação que quer “entender as razões do outro, sem lhe dar necessariamente razão”. Entender as razões do outro pode parecer menos complicado quando o outro em questão é o povo sofrido, humilhado, explorado, morador do lixão, da favela ou do sertão.

Logo, percebemos que o que interessa tanto para Eduardo Coutinho quanto João Batista de Andrade, não é definir o personagem, muito menos defini-lo como um fenômeno da realidade, e sim a visão do mundo desse personagem, o ponto de vista que ele tem sobre o mundo e sobre si mesmo. Por isso, cabe somente ao espectador produzir os sentidos do que vê e escuta, construindo assim a imagem de Theodorico e Wilsinho.

Em ambos documentários, é o próprio Theodorico e a mãe de Wilsinho que entrevista os personagens, tanto quanto os trabalhadores da fazenda no caso do político, quanto os familiares no caso do criminoso. As perguntas que fazem, são claramente impositivas. A decisão de deixar as entrevistas por conta do fazendeiro, e da mãe de Wilsinho, surgiu no inicio da filmagem.

O filme Um Instante de Inocência de Mohsen Makhmalbaf e Wilsinho Galiléia de João Batista de Andrade são similares , pois Makhmalbaf assim como João Batista de Andrade encenam um fato ocorrido utilizando atores e pessoas que passaram pelo pelo episódio, em Um Instante de Inocência, Makhmalbaf, volta no tempo e filma um evento que ocorreu num período da ditadura do xá Reza Pahlevi ,nesse momento ele era um militante que combatia ditadura. Num momento, precisando de um revólver, esfaqueou um guarda do xá para roubar a arma. O fato levou Makhmalbaf para cadeia, além de deixar o guarda ferido.Depois de um tempo, o guarda e Makhmalbaf realizam uma encenação do ocorrido mostranto ponto de vista do guarda e do cineasta, ocorre de modo similar com Wilsinho Galiléia, em que o diretor encena a vida do bandido, através de relatos de amigos e familiares, construindo uma narrativa que mistura fato com ficção.

Concluímos que os documentários registram, não somente as relações dos personagens com os diretores, registram também especialmente as relações dos personagens com o que os cercam.

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