sexta-feira, 3 de julho de 2009

Autora: Sheila Santos da Silva

“Para haver um documentário, é preciso uma exterioridade do sujeito e do objeto. Cada qual de um lado da linha, sem se tocarem. Um objeto só se torna objeto de documentário, no momento em que o sujeito se reconhece isolado desse objeto.” Arthur Omar

“Eu bem sei que estou na sala de cinema e que sou espectador... mas esqueço disso assim mesmo para acreditar na representação, para injetar nela sua carga de realidade, sua intensidade de experiência vivida.”
Aquele que eu filmo me vê. O sujeito filmado se destina ao filme, conscientemente e inconscientemente, se impregna dele, se ajusta à operação de cinematografia, nela coloca em jogo sua própria mise em scène, no sentido da colocação do corpo sob o olhar, do jogo do corpo no espaço e no tempo definidos pelo olhar do outro.”
Jean Louis Comolli

A câmera de Maria Augusta que opta pela estética do cinema direto, estética caracterizada pela não interferência do que acontece diante dela, nos apresenta uma realidade assustadora: a realidade de muitos jovens das periferias brasileiras.

No inicio do filme temos uma cartela que nos alerta para o uso de atores no filme. Maria Augusta coloca atores para encenar os momentos em que os jovens aparecem de frente, pois a lei não permite que o rosto dos jovens acusados apareça. Mesmo com essa interferência a relação de exterioridade de Arthur Omar está presente. A exterioridade que permite a existência de um documentário. Em que o sujeito, Maria Augusta, parece não interferir na ação do objeto, jovens, responsáveis, juíza e promotores. Nesse filme sujeito e objeto não se tocam, está cada um de um lado da linha.

Durante a narrativa o espectador esquece que nem sempre o depoimento é dado pelos jovens acusados. O espectador se entrega ao que vê e ouve, ele esquece para acreditar na representação , para injetar nela sua carga de realidade, sua intensidade de experiência vivida como afirma Comolli. A representação, nesse caso, aproxima o espectador do real.
Em Juízo o que move e envolve o expectador não é a câmera de Maria Augusta mas sim o que acontece diante dela. As histórias contadas pelos jovens, suas motivações para os crimes pelos quais são acusados, a relação desses jovens com a família, o interrogatório feito pelos promotores e a tentativa da juiza em estabelecer um dialogo com eles é o que envolve o espectador.

O espectador fica perplexo com o que os jovens e seus familiares falam. Esse espectador, público de cinema, avalia as narrações a partir de sua lógica. A lógica da classe média. Ele fica perplexo ao ver e ouvir reações inesperadas e incompreensíveis dos familiares e dos próprios jovens durante o interrogatório. Não entende como uma jovem prefere ficar presa a voltar para casa e como um irmão não defende o outro acusado de esfaquear um pai extremamente violento. A lógica do espectador não compreende a lógica do interrogado, a lógica de quem vive uma outra lógica, a lógica da miséria.

A tentativa frustrada de comunicação entre a juiza e os jovens ultrapassa a perplexidade das histórias. E é através da Juíza que o espectador se coloca em cena.

O espectador de Juízo não se identifica com o objeto, jovem. O espectador se identifica com a encenação da juíza que tenta representar a família, a escola, o estado, as instituições responsáveis por esses jovens. O espectador representa um desses papeis. Ele também é ausente na vida desse jovem.

A Juiza sabe que está sendo filmada e reage a presença da câmera. Ela reage ao olhar do outro. Do outro câmera da Maria Augusta e do outro espectador. Colocando em jogo sua própria mise en scène. Ela se entrega ao filme. Ela faz uso da câmera. Ela quer falar para quem quiser ouvir que esses jovens precisam de ajuda e que a instituição a qual ela representa não funciona.
O desastroso diálogo entre Juíza e jovem, em que a lei tenta se fazer entender mas que o jovem não sabe entender, é uma espécie de grito, de pedido de socorro.

Juízo é mais que um filme, é um pedido de socorro.

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