quarta-feira, 1 de julho de 2009

O Cinema entre O Documentário e A Ficção

Autores: Pedro Salazar e Manoel Caetano

Limites que existem, não há dúvidas. Há em tudo. Não é por menos que encontramos mais um aqui em plena sétima arte; contudo, a experiência do cinema iraniano, em especial pelo diretor Mohsen Makhamalbaf, tem evidenciado que esse encontro não casual, essa relação intrigante entre Autor/Personagem que compunham a narrativa, sendo a narrativa, traz a dúvida ao espectador repensando a estrutura cinematográfica:

Isso é ficção ou realidade?

A partir da década de 90, o cinema iraniano vem sendo divulgado e premiado nos mais importantes festivais de cinema mundo afora cultivando um publico cada vez mais cativo. O sucesso se dá, em fato, pela forma que esses diretores se apropriam da construção da narrativa de modo sensível e inesperado demandando do espectador atenção sobre a mensagem transmitida.

O cinema iraniano pode ser comparado com o Neo Realismo Italiano por suas semelhanças em relação à narrativa como, por exemplo, o uso de atores não famosos e o enfoque humanista em suas estórias. Abbas Kiarostami é o diretor mais conhecido desse movimento. São seus os já clássicos “E O Vento Nos Levará”, “Close Up”, “A Casa do Meu Amigo”, “Dez”, entre outros. É interessante notar que num país assolado constantemente por guerras internas e externas, possa haver espaço para uma resistência cultural e artística grandiosa. Questionando o próprio fazer cinematográfico, entre as relações de falso/verdadeiro, dentro/fora, indivíduo/sociedade, em uma só dicotomia, ficção/documentário, o cinema iraniano abre as portas para percepção de um público saturado das mesmices que o circuito norte-americano impõe nas diversas salas de cinema espalhadas pelo mundo. Um tipo de cinema não só aberto para o mundo, como também, atravessado, furado, transportado; que se apresenta de maneira mais forte que ele mesmo, maneira que o ultrapassa e, ao mesmo tempo, o funda.

Dentre a variedade de diretores desse movimento, um nome importante junto com Kiarostami é, sem duvida, de Mohsen Makhamalbaf. Para comemorar os 100 anos de cinema, em 1995, o diretor iraniano dirigiu o documentário "Salve o Cinema", sobre pessoas comuns em busca da realização na carreira de ator/ atriz. O filme inicia mostrando a multidão reunida em frente ao estúdio de gravação onde o diretor irá selecionar os candidatos para atuar em seu novo trabalho. Esse impacto inicial é diluído à medida que o espectador vai observando não apenas a quantidade de pessoas que desejam representar no filme, mas também a disposição física e a resistência psicológica das mesmas. É através das entrevistas com alguns desses candidatos que o filme desenrola-se. O grande mérito do diretor está em conseguir tirar dos depoimentos verdadeiras declarações de amor ao cinema. São choros, falas desesperadas, súplicas, risos e representações memoráveis que confirmam a devoção dos aspirantes à sétima arte - e também ao reconhecimento e à fama que ela proporciona. Ao colocar anônimos como protagonistas em seu filme, Makhmalbaf encontrou uma das melhores formas de celebrar o centenário da arte cinematográfica: homenageando o grande público.

Logo a questão “o que é documentário”? não há outra resposta senão a questão posta por Andre Bazin : o que é cinema”? Em “Instante de Inocência”, Makhamalbaf eleva até a ultima potência essa máxima. O filme começa com a emblemática cena do homem caminhando entre os dois trilhos sugerindo assim que o filme irá transitar entre o documentário e ficção: não irá se ater a nenhum, mas, ao mesmo tempo, será os dois.

Em diversos momentos no filme vemos o mesmo exemplo de transitoriedade: Makhamalbaf leva o ator que o irá interpretar mais jovem à casa de sua prima. Em um dado momento, quando o diretor sai do carro e o ator permanece, há uma quebra de sentido, pois a menina que aparece na seqüência (como filha da prima de Makhamalbaf) no inicio de sua fala dá a entender que não há relação direta com aquele “ator”. Mais adiante, logo após um singelo espaço de tempo, ela subitamente “entra” com a fala de “outra” personagem – A Mãe dela no passado - e ambos seguem, diferentemente do que eram até então, de acordo com a narrativa criada misteriosamente naquele momento. A sensação constante é de que há uma câmera oculta que registra toda a história se passando diante dela, entretanto, sabe-se que o diretor está dirigindo àquela cena em questão como também todo o filme. Makhamalbaf aparece em quadro constantemente sendo sujeito e objeto do próprio filme. Se ele está em cena, logo atuando, quem está dirigindo?

Segundo Comolli, cineasta e escritor francês é da dificuldade que o documentário é imposta que ele tira toda suas riquezas. Logo, experimentar se torna obrigação para um cinema que se faz sob o risco do real. As formas aplicadas são transfiguradas pela própria forma que elas tentam abarcar. Assim sendo, criar é vital para o documentarista. Concluindo, não é necessário recordar – essa verdade perdida de vista - que subjetivo é o cinema, e, com ele, o documentário. O cinema nasceu documentário e dele conquistou seus primeiros poderes.

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